Maria Beatriz de Medeiros
Estimulada
pelo título da mesa das ex-presidentes da ANPAP, em 2022, a saber “Existências sobre/com arte”, resolvi
fazer uso de um velho hábito ou uma licença poética de algo que aprendi na
infância, isto é, as preposições: a, ante, até, após, com, contra, de, desde,
em, entre,.... Assim me deixei perambular por palavras, inquietações, estímulos,
ritmos etc e tal.
Assim:
A
À arte nos dedicamos
para existir. Não direi resistir, como em voga. Direi: à arte nos dedicamos
para insistir, investir, insistir em existências outras, quiçá incompossíveis.
Ante
Ante à vida
dura, a arte existe, volve, devolve, envolve, rompe, rasga e frutas. Daí
saberes, sabores e seios para amamentar uma humanidade que beira o desumano por
fome, frio e abandono.
Até
Até nas
intempéries –como as atuais- a arte grita sua existência sem limites. Atualmente
a censura – da arte, da língua, do sexo, a censura do desejo, dos seres e estares-
tenta calar o grito que, como em ondas sonoras, não acredita em portas, janelas
ou paredes, grades e manicômios. A arte grita.
Após
Após o temporal
vem a bonança, dizem, mas em todos os tempos a arte existiu e existe lá e em
toda parte como erva daninha insana. As ervas daninhas sobrevivem aos temporais,
secas e ventos. Melhor dizendo elas vivem, veem e alertam.
Com
Com arte
existimos e muito mais: sorrimos, só rimos e rimas.
Contra
Contra
governos desgovernados, machistas, xenófobos a arte se volta, revolta,
revoluções, mas sobretudo voluções, volúpias
em todas as direções espaço-temporais, sensoriais, sentimentais e mentais.
De
De arte são
feitas existências – não novas- mas outras. Outras existências para além da
matéria, para além do visual, para além do tátil ou do oral: de corpo todo,
sangue, fluidos e carnaval.
De arte,
bundas, bandas, sinfonias, baterias, nudez, luxúria, ritmo, mas também pausa.
Tempos diversos, muitos, às vezes alguns, mas sempre raros. “Só para os raros, só para loucos.” (Hermann Hesse)
Desde
Desde o
momento em que um ser humano – ou não- se deixa vazar pelos meandros da arte,
algo se desloca, se desaloja, sai da loja, rompe hábitos. “_ Atenção!” No
deslocamento há tensão. Uma tensão necessária quando se existe com arte no meio
de um rebanho que espera o berrante, talvez, brocha. Me desculpo pela piada de
mau gosto. De muito mau gosto como gosta o rei do gado e seus correligionários
cegos. Me desculpo.
Em
Em arte
pode-se encontrar existência. É preciso estar atento e permeável. Na
permeabilidade há trocas, truques, se criam traços, se deixam rastros, tatos,
contatos.
Entre
Entre os
escombros de tanta miséria - física, moral, psíquica, ética, estética- a arte,
ainda, existe.
Para
Para o
futuro diremos arte, arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.
Perante
As
existências podem se multiplicar perante a arte. Urge alimentar a população com
comida, com paz. Urge desarmar a população, urge o fim das milícias. Urge o fim
da guerra na Ucrânia, em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, no Ceará, na
Amazônia. Na guerra, no medo as existências se endurecem. E agora? Arte? Arte,
arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.
Por
Pela arte
sopram rios capazes de alertar sensibilidades e raciocínios, por vezes conexos,
por vezes livres, se liberdade existe.
Sem
Sem arte as
latências se entumecem e as existências tendem ao colapso. O colapso está a
nossa porta. Arte, arte, arte, lida como quem late.
Sobre
Sobre
existências com artes à míngua não queremos falar. Ao redor elas pululam por
desleixo de poderes corruptos e nada irrequietos. É sobre inquietações que a
arte semeia, aduba, rega e reage.
Trás
Para trás,
nunca mais.
Rio de
Janeiro, 21 de setembro de 2022