terça-feira, 4 de outubro de 2022

ANPAP 2022

 






Existências a/ante/até/após... arte

 Maria Beatriz de Medeiros

 

Estimulada pelo título da mesa das ex-presidentes da ANPAP, em 2022, a saber “Existências sobre/com arte”, resolvi fazer uso de um velho hábito ou uma licença poética de algo que aprendi na infância, isto é, as preposições: a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre,.... Assim me deixei perambular por palavras, inquietações, estímulos, ritmos etc e tal.

 

Assim:

 

A

À arte nos dedicamos para existir. Não direi resistir, como em voga. Direi: à arte nos dedicamos para insistir, investir, insistir em existências outras, quiçá incompossíveis.

 

Ante

 Ante à vida dura, a arte existe, volve, devolve, envolve, rompe, rasga e frutas. Daí saberes, sabores e seios para amamentar uma humanidade que beira o desumano por fome, frio e abandono.

 

Até

 Até nas intempéries –como as atuais- a arte grita sua existência sem limites. Atualmente a censura – da arte, da língua, do sexo, a censura do desejo, dos seres e estares- tenta calar o grito que, como em ondas sonoras, não acredita em portas, janelas ou paredes, grades e manicômios. A arte grita.

 

Após

 Após o temporal vem a bonança, dizem, mas em todos os tempos a arte existiu e existe lá e em toda parte como erva daninha insana. As ervas daninhas sobrevivem aos temporais, secas e ventos. Melhor dizendo elas vivem, veem e alertam.

 

Com

 Com arte existimos e muito mais: sorrimos, só rimos e rimas.

 

Contra

 Contra governos desgovernados, machistas, xenófobos a arte se volta, revolta, revoluções, mas sobretudo voluções, volúpias em todas as direções espaço-temporais, sensoriais, sentimentais e mentais.

 

De

 De arte são feitas existências – não novas- mas outras. Outras existências para além da matéria, para além do visual, para além do tátil ou do oral: de corpo todo, sangue, fluidos e carnaval.

 

De arte, bundas, bandas, sinfonias, baterias, nudez, luxúria, ritmo, mas também pausa. Tempos diversos, muitos, às vezes alguns, mas sempre raros. “Só para os raros, só para loucos.” (Hermann Hesse)

 

Desde

 Desde o momento em que um ser humano – ou não- se deixa vazar pelos meandros da arte, algo se desloca, se desaloja, sai da loja, rompe hábitos. “_ Atenção!” No deslocamento há tensão. Uma tensão necessária quando se existe com arte no meio de um rebanho que espera o berrante, talvez, brocha. Me desculpo pela piada de mau gosto. De muito mau gosto como gosta o rei do gado e seus correligionários cegos. Me desculpo.

 

Em

 Em arte pode-se encontrar existência. É preciso estar atento e permeável. Na permeabilidade há trocas, truques, se criam traços, se deixam rastros, tatos, contatos.

 

Entre

 Entre os escombros de tanta miséria - física, moral, psíquica, ética, estética- a arte, ainda, existe.

 

Para

 Para o futuro diremos arte, arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.

 

Perante

 As existências podem se multiplicar perante a arte. Urge alimentar a população com comida, com paz. Urge desarmar a população, urge o fim das milícias. Urge o fim da guerra na Ucrânia, em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, no Ceará, na Amazônia. Na guerra, no medo as existências se endurecem. E agora? Arte? Arte, arte, arte, lida como quem late. Arte, arte, arte.

 

Por

Pela arte sopram rios capazes de alertar sensibilidades e raciocínios, por vezes conexos, por vezes livres, se liberdade existe.

 

Sem

Sem arte as latências se entumecem e as existências tendem ao colapso. O colapso está a nossa porta. Arte, arte, arte, lida como quem late.

 

Sobre

 Sobre existências com artes à míngua não queremos falar. Ao redor elas pululam por desleixo de poderes corruptos e nada irrequietos. É sobre inquietações que a arte semeia, aduba, rega e reage.

 

Trás

 Para trás, nunca mais.

 

Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2022



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