Acocoré
(Arte, COletivos, COnexões e REdes): um projeto de resistência à pandemia
ou arte
e performance em tempos de telepresença.[1]
RESUMO:
O presente texto apresenta o projeto Acocoré (Arte, COletivos, COnexões e REdes)
realizado em telepresença desde julho de 2020, isto é, durante uma pandemia.
Acocoré foi uma ideia, um movimento, e, de repente, (e)vento: site,
performances, entrevistas, vídeos, isto é, movimento diruptivo fazendo História,
um projeto efetuado por 20 artistas de diversos estados do Brasil e por
brasileiros vivendo no exterior. Aqui dialogamos, principalmente, com Jacques
Rancière, em O Destino das Imagens
(2012), e Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos.
PALAVRAS-CHAVE: Acocoré, Arte,
Coletivos, Conexões, Redes.
ABSTRACT: The following paper presents
the Acocoré project (Art, COlectives, COnnections and Networks), conceived and
carried out online and over telepresence since July 2020, during the pandemic.
Acocoré was an idea, a movement, and suddenly is (e)vent: website,
performances, inter-actions, videos, therefore disruptive moviment making
history, a history carried out by 20 artists from different states of Brazil
and by Brazilians living outside Brazil.
Here we dicuss with Jacques
Rancière, in The Destiny of Images
(2012) and the Research Group Corpos Informáticos.
KEYWORDS: Acocoré, Art, Collectives,
Connections, Networks.
RESUMEN: Este texto presenta el
proyecto Acocoré (Arte, COlectivos, COnexiones y REdes) realizado en
telepresencia desde julio de 2020, es decir, durante una pandemia. Acocoré fue
una idea, un movimiento, y de repente (e) viento: sitio web, performances,
entrevistas, videos, es decir, un movimiento disruptivo haciendo Historia, un proyecto
realizado por 20 artistas de diferentes estados de Brasil y por brasileños
residentes en el fuera de Brasil. Aquí dialogamos con Jacques Rancière, en O Destino das Imagens (2012) y Grupo de
Investigación Corpos Informáticos.
PALABRAS CLAVE: Acocoré, Arte,
Colectivos, Conexiones, Redes.
De repente, o
silêncio. Não mais "teatro, boate, cinema" (Luiz Melodia, Congênito, 1976). De repente o pouco que
se tem representa tudo e/ou o muito que se tinha se fechou. A vida cessou nas
ruas. Não mais carros e ônibus, desde às 6 horas da manhã, arranhando o sono
pouco de quem muito correu. O sono se esparrama junto com o medo. Silêncio:
ninguém vai chegar e ninguém vai sair. Não haverá convites nem vernissages nem
aniversários nem almoços familiares nem viagens, hotéis ou outras paisagens.
A COVID 19 tomou
a vida de muitos no momento em que escrevo, janeiro de 2021. A COVID 19 tomou a
vida de 1% da população brasileira. Presa em casa, 50% da população, e o vírus
passeando nas ruas, calçadas, praias e parques. Os teatros escuros e fechados
ruminando mofo e poeira em poltronas tortas; as boates silenciosas e ninguém
cheirando nos banheiros, os cinemas surdos, cegos e mudos com portas
enferrujando. Os museus e galerias de arte acumulando um vazio de sentido de
obras de arte enclausuradas.
A arte se
completa na interação e/ou na iteração.
A iteração é o processo que acontece quando existe, em performances
abertas à participação do público, a participação de transeuntes e/ou errantes
(que somos todos nós), a efetiva participação. Por iteração entendemos, com
Jacques Derrida (1990, p. 7 e 120): Iterabilidade-
(iter, provavelmente vem de itara, outro em sânscrito, e tudo o que se segue pode ser
lido, o trabalho fora da lógica que liga a repetição à alteridade) [...] A
iterabilidade altera, parasita e contamina o que ela identifica e permite
repetir; faz com que se queira dizer (já, sempre, também) algo diferente do que
se quer dizer, diz-se algo diferente do que se diz e gostaria de dizer,
compreende-se algo diferente etc. Na iteração, a
performance proposta pode e deve se modificar, se contaminar, ser outra pela
participação dos outros. (Medeiros, 2017)
A arte se
completa na interação e/ou na iteração. Sem ser vista, ela é, naturalmente,
invisibilizada, mas também inviabilizada. Um papel cheio de pontos, de linhas e
de tintas nada pode dizer em uma gaveta, mofando. Um grito não escutado escorre
pelas paredes mudas e a performance congela o artista na geladeira que estala, range,
mas não interage nem iterage.
Assim, foi se
passando o inesquecível ano de 2020, se arrastando entre paredes ou brilhando,
um pouco, nos 15 minutos em que o sol toca janelas, na cerveja solitária ao
final do dia surdo, em intermináveis séries televisivas agora esgotadas:
ninguém filma, ninguém atua, ninguém monta cenários que permitiriam outros
devaneios para longe deste confinamento. Com fim? Não sabemos, mas certamente,
lamento.
14 dias, 30
dias, 60 dias. No meio da solidão, julho de 2020, uma mensagem. Tratava-se de
um convite para fazer uma sequência de fotos sobre máscaras, feito por Juliana
Cerqueira,[2]
pessoa que não via há mais de dez anos, com quem havia colaborado em alguns
trabalhos, em arte e tecnologia, isto é, em performance em telepresença[3]
do Grupo Corpos Informáticos, que coordeno desde 1992.[4]
Resolvi telefonar e questionar, ao que me foi respondido que era uma proposta
inicial ainda sem rumo definido. Assim fizemos, uma “simples” sequência de
fotos.
Me adianto no
texto para não deixar os leitores inquietos: Acocoré[5]
é hoje, janeiro de 2021, a melhor coisa que fizemos, Juliana e eu, mas também
todos aqueles que vêm participando deste projeto: ele mudou nossas vidas, ele
nos dá felicidade, risadas, danças, trocas, comédias, debates sérios, (e)vento
e uma infinita coleção de figurinhas no WhatsApp. Temos performances coletivas
aos sábados no Zoom, nas quartas-feiras temos o projeto “Entre-atos, nunca
entrevistas” no Instagram,[6]
nas segundas-feiras temos um grupo de estudos (leitura atual: O Destino das Imagens, Rancière, 2012),
temos um site (criado e alimentado por Juliana Cerqueira: https://acocore.wixsite.com/acocore)
que contém vídeos, fotos, textos e uma galeria de arte de objetos pós-performance
e cerca de 300 mensagens no WhatsApp por dia: conversa séria: 2%; diversão,
comédia, brincadeira, palhaçada crítica: 98%. Temos, inclusive, uma marca.
Acocoré nasceu Arte, Coletivos, Conexões e Redes em 18
de julho de 2020, com a performance “Descobrindo Máscaras”. Como dito, desde
esta data temos performado todos os sábados pelo Zoom. A cada performance
corresponde um título, um texto e uma imagem e/ou vídeo que convida para a ação
(criação e design: Juliana Cerqueira).
Somos, hoje, em ordem alfabética: Ana Reis (GO); Alex Simões (BA); Arthur Scovino (RJ, BA, SP); Bia Medeiros (RJ, DF); Beatriz Provasi (RJ, Dinamarca); Carla Rocha (DF, USA); Cássia Nunes (GO); Chico Fernandes (RJ); Clarisse Tarran (RJ); Cristine Carvalho Nunes (RS); Eduardo Mariz (RJ); Juliana Cerqueira (RJ); Maíra Vaz Valente (SP); Milene Lopes Duenha (SC, PR); Naldo Martins (AP); Raphael Couto (RJ); Renan Bacci (SP); Ricardo Garlet (SC); Tatiana Duarte (RS); Valéria Medeiros (RJ); Zélia Caetano (PR); Zmário (José Mário Peixoto Santos. BA). Alguns destes artistas conhecemos pessoalmente e/ou realizamos trabalhos em grupo, outros foram aparecendo e se tornando parte deste movimento, digamos, necessário. Alguns participam desde o início, outros acocoraram há pouco, outros observam sem nos deixar vê-los, outros pululam por lá.
Rancière (2012) diria: “sem medida da mistura” (p. 52), ou “justaposição caótica” (p. 54) , ou, ainda, “é o comum da desmedida ou do caos que doravante confere à arte sua potência.” (p. 56) Gilles Deleuze e Félix Guattari (2005, p. 199) diriam: “movimentos de desterritorialização”, “linhas de fuga possíveis”, “assegurar aqui e ali conjunções de fluxos”, “continnums de intensisdade”, “fazer passar e fluir os fluxos conjugados”, conexões de desejos”, “máquinas coletivas”.
Podemos dizer, com Rancière (2012, p. 28) que nossa performance “se realiza ao suprimir-se, que distingue o distanciamento da imagem para identificar seus procedimentos às formas de uma vida inteiramente em ato, e que não separa mais a arte do trabalho ou da política.” Em tempos de confinamento e solidão, nossas performances e lives são trabalho, uma violenta produção artística (duas performances por semana), e política, um outro da política, resistência, potência de grupo e questionamento, isto é, telepresença como “vida inteiramente em ato”.
Acocoré
é oxigênio com que o galo enche o peito para cantar toda manhã. É o som do
respiro da tartaruga na superfície do mar aberto. É o chão da plataforma
suspensa na nuvem criada para promover encontros virtuais, performáticos e
simultâneos de corpos aflito que se estrebucham na terra em chamas.
@arthurscovino
(Arthur Scovino, SP, 04/10/2020)
Acordar no espelho das nossas sombras voláteis. Poesia bordada dos sentidos. Uns lá e eus aqui. Textura de espaços e tempos, tautocronia. Renda preciosa, colcha de retalhos de uma memória desejada. Música rebelde dos desejos. Teletransporte do sopro, toque.
@carlarocha
(Carla Rocha (RJ, DF, USA)
Acocora
a vida, o mundo, o tempo que vai passando, num pequeno instante de nós captado.
Nosso sexo, desejos a flor da pele, na pele película do corpo, da tela, do
vídeo. Exposto, entregues ao devir do agora, do já, na potência que move os
corpos. Conexões onde corre eletricidade, afeto, água de rio, mar, extinguindo
distâncias na imensidão do existir.
@nau_vegar
(Naldo Martins. AP, 08/10/2020)
Uma
ideia,
Um
movimento,
E,
de repente, vento.
Um
tormento, um lamento
E,
sem muito, evento.
Um
retorno entardecido,
Talvez,
distorcido, talvez,
Inacabado,
no tempo mutilado.
Eu,
magia;
Tu,
vida;
Ela,
existência;
E
nós, nós, nós,
E
eles e elas e outros também:
Acontecimento.
@performancecorpopolitica
(Bia Medeiros. RJ, 13/10/2020)
Vemos, então, oxigênio,
respiro, mar aberto, nuvem, acordar, sombras voláteis, renda preciosa, colcha
de retalhos, desejos a flor da pele, devir do agora, devir do já, movimento,
vento, vida, existência, acontecimento, isto é, arte em tempos de pandemia.
Como dito, cada performance aos sábados possui título e texto, cada um sugerido por um de nós. Eles são propostos, mas quase nunca seguidos. Performances todos os sábados! Haja repertório! E, em tempos de pandemia, é praticamente impossível perseguir propostas: em geral, trabalhamos com o que temos em mãos, nossos corpos, objetos, animais (gatos, cachorros, pássaros fazendo ninho na cozinha e até cavalos), trabalhamos com nossas pias sempre de novo e de novo lotadas. Alguns lavam banheiros, poucos passeiam.
Panos/Plumas/Revoltas
e ironia. 25/07/2020
Panos Plumas Revoltas e ironia.
Planos Puros Reflexos e zombarias.
Plenos Puns Recuerdos e zunzunzum.
Planaltos Praias Resenhas e fuleragem.
Prumos Pontas Ritmos e mares.
Tortas Portas Ratos e maresias.
Desvios Devaneios Romarias e rosáceas.
Pontes Padrões Rendas e distância.
Demônios
meus Desejos nossos Recados outros Emendas frouxas.
Paralelos Convexos E triângulos amorosos.
População
perplexa Poderes não mais podres
Mas Purulentos Assassinos.
Povo
preso, Povo e medo.
Revolta Discórdia 70 % #elenão.
FORA Ferro Muita tristeza e
hospitais lotados.
FORA.
Foda. Foda-se.
ARTE ARTE ARTE (dito como se ladrasse).
Texto
proposto por Bia Medeiros. 25/07/2020
Desengaiolar
em durAÇÃO. 10/10/2020
Desengaiolar a pele que não toca. Desengaiolar as mônadas, fênix, minotauros e seres mágicos...
"O que pode o corpo?": tudo e
nada.
Corpo engaiolado. Corpos atravessados
por linhas duras, às vezes flexíveis, mas certamente caóticas, malcriadas.
Surge em frestas o desengaiolar
constantemente, urgindo como o vento, rasgando o grito e a palavra.
Desengaiolar as mônadas, compor com os corpos, confabular com as gotas do
oceano, em durAÇÃO, ultrapassar as dimensões do cabível.
A experiência é coletiva. Habitamos
vários nós e derivantes, cambiantes, embriagantes. Mover as grades da gaiola,
convocar corpos para o experimento ao beijar a terra, descer e subir camadas.
Encontrar a morte com vestes na ressonância da poesia da vida... Abrir a gaiola
dos loucos, encontrar um lugar de nó (s).
Enfim, sem fim. O gozo vital.
Bem vind@s!
Texto proposto por Cristine Carvalho Nunes. 10/10/2020
Astrolábio de sete faces (6a face).
28/11/2020
Fórmula: sangue, saliva, fio
de cabelo ou sêmen, líquido amniótico, ossos, face, cu, dentre outros tecidos,
entulho de amante, musa, silêncio, problemas, oxigênio, tapa-buraco, permissão
progressiva, triz, sigilo, troca de segredos, treda ao lado, tecnologia, contas
para viver melhor, conexos e conexões, odum, incêndio, puta dor, fúria e
alta tensão no mundo, todos temos. No meu corpo, o canto.
Texto proposto por Alex Simões. 28/11/2020
As performances
aos sábados são simultâneas: “cada um no seu quadrado” ou retângulo, por vezes,
entrando em conjunção com uma das ações de outros artistas. Por vezes, todos
entram em uma mesma vibração, na mesma cor, em movimentos semelhantes.[1]
Por vezes, não há consonância, mas “a
potência caótica na criação de pequenas maquinarias do heterogêneo.”
(RANCIÈRE, 2012, p. 66) Estamos fazendo arte (sempre lido como quem late),
poesia, histórias e História: “O espaço
do choque e do contínuo podem ter o mesmo nome, História. De fato, a História
pode ser duas coisas contraditórias: a linha descontínua dos choques
reveladores ou o contínuo da copresença.” (Idem, p. 70)
Reflexões
matutinas: não noto que apresento performances via Zoom... vejo que improviso
em telepresença, como nas aulas de Improvisação em Dança, na Escola de Dança da
UFBA, quando levávamos [...] objetos para performar (e as músicas tocadas davam
o tom das ações). Performance, para mim, requer
uma determinada elaboração mesmo que o ensaio nunca ocorra...
Leio os txts propostos para o encontro no Zoom, ficam reverberando no meu cabeção, separo alguns objetos que se aproximam simbolicamente dos conteúdos dos txts minutos antes, ligo a cam, e os aciono de maneira improvisada... Então, ao meu ver/sentir, me apresentar no Acocoré é um exercício contínuo de improvisação em performance, ou seja, é por em primeiro plano e em prática um dos elementos característicos da performance: o improviso.
O que operamos
em Acocoré, o que Zmário afirma aqui e opera é “transformar as produções finalizadas, da imageria [social e comercial]
em imagens opacas, estúpidas, que interrompem o fluxo midiático” e, “despertar os objetos úteis adormecidos ou as
imagens indiferentes da circulação midiática suscitar o poder dos vestígios de
história comum que eles comportam.” (RANCIÈRE, 2012, p. 35)
O projeto “Entre-atos, nunca entrevistas”, no Instagram, às quartas-feiras, foi inicialmente pensado no sentido de gerar uma maior iteração entre dois artistas e havia, sobretudo, a intenção de fugir do formato de entrevistas que foi intensificado em diferentes projetos artísticos durante a pandemia. Estávamos cansadas de entrevistas com carinhas: duas carinhas falando em discursos muitas vezes entediantes: somos artistas! Como não poderia ser diferente, “voluímos”[2] para um formato outro: um artista coordena a sala do Instagram e convida aleatoriamente qualquer um de nós, a qualquer momento. Esta iniciativa gera como que programas televisivos (engraçadíssimos) com convidados improvisando: entrevistadora chique, Chacrinha, Roberto Carlos e Show da Xuxa, programa de perguntas... O formato se revela cansativo para aquele que “orquestra” e, também, para os convidados, que permanecem em performance por 40 min tendo direito a “entrar em cena” de 3 a 15 minutos, no entanto, cria uma imensa diferença, ou melhor, dessemelhança: “As imagens da arte são operações que produzem uma distância, uma dessemelhança.” (Rancière, 2012, p. 15)
Há necessidade de citar, também, a proposta de “ensaio”. Em polêmica gerada no WhatsApp, que denominamos “polenta”, discutimos diversas questões da performance. Entre elas, questões que sempre voltam quando se trata de performance. Por exemplo, o próprio questionamento sobre o que é performance. Em 2010, após uma visita às exposições Marina Abramovïc (MoMA, NY, 2010) e 100 years of performance no PS1, ao retornar ao Brasil, discuti com o Grupo Corpos Informáticos sobre o fato da performance “já” estar nos museus, isto é, ter se tornado doce (SERRES, 2005), se tornado linguagem. A conversa nos levou à necessidade de um novo termo para a performance e declaramos não mais fazer performance, mas, fuleragem e, ainda, não mais realizar arte efêmera, mas fazer coisa mixuruca. A fuleragem pode ser barbárie, pode ser vagabunda, pode ser invertebrada, nego fugido, indolente, relaxado, mas não subserviente. A troça e a trapaça estão aí subentendidas. A ironia e o cinismo podem ser estratégias. Acocoré, no mesmo sentido, preferiu, não mais fazer performance, mas unicamente ensaio. No ensaio podemos errar, ser errantes, corpo sem órgãos, matilha ou movimento. Performance, fuleragem ou ensaio? “Proust chama essa desfiguração de denominação, qualificando a arte da sensação pura em Elstir: ‘Se Deus Pai criara as coisas nomeando-as, era tirando seu nome ou dando-lhes outro que Elstir as recriava.’” (Rancière, 2012, p. 88).[3]
Outra questão foram algumas possibilidades da performance, do ensaio, ou da fuleragem que divergem da nossa. Possibilidades: 1- o artista idealiza e realiza a performance com seu corpo; 2- o artista idealiza e realiza a performance com seu corpo e, posteriormente, paga alguém para refazer a performance (re-performance, exemplo: Marina Abramovic no Museum of Modern Art, NY, 2010); 3- o artista idealiza a performance e paga alguém para realizar a performance por ele. A isto podemos chamar “performance terceirizada” (exemplos: Ayrson Heráclito em Transmutação da carne em MAI Terra Comunal, onde contrata performers e performa com eles, SESC-SP, 2015 ou Laura Lima). Afirma Laura Lima: “Não entendo o meu trabalho no sentido de performance historicamente, os corpos sempre são transformados em carne, objetos, têm tarefas. O corpo pode ser visto como um barro que se molda.”[4] Pasmo: o corpo do outro entendido como carne, objeto, com tarefas, como barro que se molda.
O corpo, neste caso [experiências
com sociedades não-ocidentais], remete sempre a si e aos outros corpos ao mesmo
tempo, sendo essencialmente no plural. Não é de modo algum isolável daquele a
quem atribui um rosto e de quem é o único indício de existência. Também não é
separável daqueles com quem coexiste. Característico de ambientes sociais
comunitários, este corpo não tem funções delimitadoras. Não é propriedade
privada. Não é eminentemente uma marca de identidade social. Não é máscara. Não
é indicador de um personagem. [...] esse
corpo é exatamente onde o homem transborda de si, onde recusa a inércia e os
confortos que o tornam passivo e dócil. (RODRIGUES, 1999, p. 191. Grifo
nosso).[5]
Neste questionamento outros artistas foram postos em questão: Francis Alys e seu movimento de montanha, Tania Brughera e Ana Mendieta, Santiago Serra, Tino Seghal, mas como afirma Zmário, em polenta no WhatsApp: “não tenho opinião formada”.
Corpos
Informáticos, por diversas vezes, se tornou e se autodenominou “Corpos Expandidos”[6]
Trata-se uma prática diferente das acima citadas. Corpos Informáticos, desde
2010, principalmente, idealizou movimentos e/ou ações, sempre no improviso,
isto é, recolheu, amaciou, tratou objetos, mas também camisetas (no sentido de
formar visualmente um grupo maior) e propôs performances livres a outros que,
participando com o grupo, integrando, iteragindo fizeram potência. Gostaria de
citar apenas dois exemplos para não me estender: Encerando o Congresso
Nacional, 2010, e Dança das cadeiras, 2016. Na primeira, preparamos 17
enceradeiras vermelhas, uma máquina de escrever e um aspirador de pó, e
distribuímos aos participantes do evento Performance, Corpo, Política e
Tecnologia.[7] Na
segunda, catamos cadeiras de plástico quebradas, abandonadas, isto é, “lixo”,
plástico e micro-plástico infinitos, e distribuímos aos participantes do evento
Participação, Performance, Política.[8]
Figura 3: Encerando o Congresso Nacional, 2010. Evento
Performance, Corpo, Política e Tecnologia. MINC/Petrobrás. Na foto (da esquerda
para a direita): Daniel Toso (Espanha), monitora, policial, Bia Medeiros
(Corpos), Alla Soub (Corpos), monitora, Daniela Félix (Coletivo Osso, BA),
Fernando Aquino (Corpos), Galdino (iluminador), Zmário (Coletivo Osso, BA),
Camila Soato (Corpos), Tiago Moria (monitor), Luara Learth (Corpos), João Matos (Coletivo
Osso, BA), Rose Boaretto (Coletivo Osso,
BA), monitor, Coletivo Empreza (GO).
Figura 4: Dança das cadeiras, 2016. Evento:
Performance, Participação, Política. REDES/FUNARTE. Na foto (da esquerda para a
direita): Gustavo Silvamaral (Corpos), Raphael Couto (RJ), João Stoppa
(Corpos), Mateus de Carvalho Costa
(Corpos), Matheus Opa (Corpos), Elen
Braga (SP), Cássia Nunes (GO), Maria Eugênia Matricardi (Corpos), Thaís Guedes
(BA), Ayla Gresta (Corpos), Bia Medeiros .
Entre 1996 e 2006, Corpos
Informáticos muito investiu na investigação artística através da telepresença.[1]
Nossa investigação era sobre a possibilidade de um "corpo informático",
de um "corpo-carne numérico", possibilidade de sobrevivência de um
corpo sensual, tornado imagem/movimento/som/vídeo, ou melhor, um corpo tornado “quase-presença”
apenas pelo bombardeamento de raios luminosos, gerando sensação, sensível, quiçá,
possibilidade de iteração efetiva, isto é, arte (lido como quem late). Desejo
de presença real. O desejo do outro é capaz de gerar prazer. O desejo do outro,
por mim, é capaz de prazer estético. A telepresença, atualmente, no projeto
Acocoré, é possibilidade de estar junto sem ser fisicamente real, no entanto,
estando “presentes”, isto é, ausentes. Corpo real, “ausente-presente”, tocando
o sensível: som, imagem, movimento, palavra, poesia, piada nos retiram do
confinamento para nos jogar em Acocoré.
Somos sensíveis, agora, muito sensíveis à telepresença, ela constitui, para nós enclausurados pelo coronavírus, as nossas próprias histórias e a História. E nós, acocoréticos brasileiros, enclausurados e desgovernados, nos lambuzamos de tecnologia para sermos nós mesmos, isto é, corpos desejantes vazando por telas e escapando da monotonia, da covardia, da hegemonia de um estado falido, decrépito e agonizante.
Não tenho
certeza se Acocoré é um grupo, um espasmo, um refúgio, um lapso, um sopro ou um
porto, mas com certeza tem sido porta para outros devires, sonhos por outros
espaços, lance de felicidade, fagulha de delícia e um bocado de risada.
Figura 5: Projeto Acocoré. Proposta:
Banquete (Bia Medeiros): 15 de agosto de 2020.
Figura 6: Projeto Acocoré. Proposta:
Do outro lado da rua (Naldo Martins): 14 de nov. de 2020.
Referências
AQUINO, F. & MEDEIROS, M. B. Corpos informáticos. Cidade, corpo, política. Brasília: PPG-Arte, 2011.
BARRETO, A.
H. de L. Os Bruzundangas. In: Prosa
Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2001.
DELEUZE, G e
GUATTARI, F. Mil Platôs. São Paulo: editora 34, 2005.
MEDEIROS,
Maria Beatriz de. Sugestões de conceitos para reflexão sobre a arte
contemporânea a partir da teoria e prática do Grupo de Pesquisa Corpos
Informáticos. Art Research Journal.
Brasil. V. 4, n. 1, p. 33-47, jan. / jun. 2017.
--------------. http://grafiasdebiamedeiros.blogspot.com/
RANCIÈRE,
Jacques. O Destino das imagens. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2012.
RODRIGUES,
José Carlos. O Corpo na História. Rio
de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
SERRES,
Michel. Os cinco sentidos. Paris:
Grasset, 2005.
[1] http://corpos.org; http://www.corpos.org/telepresence2;
http://www.corpos.org/teleperformance; http://www.corpos.org/weblandart.
[1] Todas as performances
são gravadas e, posteriormente editadas por Juliana Cerqueira. Os vídeos editados
possuem cerca de 7 minutos e estão postados no site do Acocoré:
https://acocore.wixsite.com/acocore/videos.
[2] “Volução” é outro conceito por mim desenvolvido: volução não
é evolução, nem devolução, nem involução. Na volução não há progresso nem
novidades. Nada é novo, tudo volui, re-volui. Há volução, processos em voluta,
em espiral rodando sem objetivo, sem jamais atingir o centro (inexistente), sem
jamais manter um só movimento. A volução se aproxima da volúpia quando paixões
deixam mentes-corpos se tormando-se um corpus político de prazer em grupo. As
fragatas planam em volução.
[3] Elstir é um personagem do
livro À la recherche du temps perdu de Marcel Proust. Elstir simboliza, para Proust, o pintor visionário, aquele que é
capaz de ver o mundo com outros olhos, e, através dele, o romancista constrói
seu pensamento sobre pintura.
[4]
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa215255/laura-lima
[5] José
Carlos Rodrigues é professor-associado da
PUC-Rio e professor titular de antropologia da UFF. Doutor em Antropologia pela
Université Paris 7, mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ e
graduado em Ciências Sociais e em Direito pela UFF.
[6] Corpos Expandidos são amigos, próximos, artistas,
iteratores, sempre dispostos a iteragir.
[7] Performance, Corpo,
Política e Tecnologia. Evento organizado pelo Grupo de Pesquisa Corpos
Informáticos, 2010. Financiamento: MINC-Petrobrás. www.performancecorpopolitica.net
[8] Participação,
Performance, Política. Evento organizado pelo Grupo de Pesquisa Corpos
Informáticos, 2010. Financiamento: REDES-Funarte.
www.performancecorpopolitica.net
[1] Para todos os textos
ver https://www.instagram.com/artecoletivosconexoes/
[1] O presente texto, aqui
revisto e ampliado, foi inicialmente enviado para publicação na revista
Poiésis, Universidade Federal Fluminense.
[2] Juliana Cerqueira é artista multimídia, graduada em
Pintura pela UFRJ, reside e trabalha no Rio de Janeiro, pesquisadora,
graduada em pintura pela UFRJ, pós graduada em docência do ensino fundamental e
médio pela Universidade Cândido Mendes, circense por puro amor.
[3]
Performance em
telepresença ou teleperformance é performance realizada na rede mundial de
computadores: projeções, computadores e iteração virtual.
[4] Corpos
Informáticos é grupo
de pesquisa prática
e teórica. Fundado
em 1992, na Universidade de
Brasília, realiza performance/fuleragem, composição
urbana (C.U.), videoarte, webarte;
organiza eventos e
(e)ventos. Corpos Informáticos:
Alla Soub (Mariana Brites), Ana Reis, Bia Medeiros, Carla Rocha,
Fernando Aquino, Jackson Marinho, Mateus de Carvalho Costa, Matheus Opa,
Natasha de Albuquerque, Zmário (José Mário Peixoto) e mais: sempre cabem Corpos
Expandidos. www.corpos.org; www.performancecorpopolitica.net;
www.corpos.blogspot.com.br.
[5] https://acocore.wixsite.com/acocore
[6]
https://www.instagram.com/artecoletivosconexoes/
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